O que significa a palavra Gestell
Heidegger o que mais parece interessar é a questão de como o fascismo intervém no desenvolvimento de sua teoria e não como podemos usar a sua teoria; e não raras vezes esse estudo começa tachando a teoria desse filósofo de mística, essencialista e pró-nazista. Logo, maldita. Este juízo se dá certamente pelas leituras de Hugo Ott, Victor Farias, Paul De Man que exploram os pontos fracos da vida de Heidegger, que não podem mesmo ser desmentidos. Da mesma forma faz o livro de Habermas: O discurso filosófico da modernidade. Muito embora, o texto de Habermas, de um modo bem diferente dos outros citados, quando toca a filosofia, não se reveste de vulgaridade e imprecisão. Como diz George Steiner a causa de Heidegger é hoje demasiadamente célebre para que os seus livros não possam ser lidos.
Primeiro, não há como negar a originalidade das idéias de Heidegger. A originalidade de Heidegger, acentua o próprio Habermas, radica em como ele interpreta em termos de história da metafísica a dominação que o sujeito moderno exerce. Heidegger entende a subjetividade da autoconsciência como o fundamento absolutamente seguro da representacão; com isso o ente em sua totalidade se transforma em mundo subjetivo de objetos representados, e a verdade em certeza subjetiva. Assim, no mundo moderno, o homem se torna o sujeito incontestável e totalmente ausente de toda ação e planejamento do mundo. E, o mundo se torna um mundo de representações e não de objetos. De modo que, de fato, com sua história da metafísica, diz Habermas, Heidegger se torna um crítico do subjetivismo moderno. De modo que, sujeito, para Heidegger, é relação com o mundo cuja essência é a transcendência. Ou seja, sujeito é função.
Mas também não podemos negar o seu erro. O erro de Heidegger na década de 1930 foi ter entendido a história da metafísica como um destino e ter transportado a sua teoria, que é crítica do sujeito, como vimos, para um campo de orientação da ação do sujeito coletivo. Nesse giro ele permaneceu preso a filosofia do sujeito que pretendia criticar.
O que é irritante no seu comportamento é que jamais Heidegger se mostrou culpado. Mas, vai reelaborando a sua posição. Mais tarde Heidegger admitindo que quem produz a história é o homem . Assim como diz todo o marxismo. O marxismo, de fato, pensa a partir da produção: produção social da sociedade (a sociedade se produz a si mesma) e autoprodução do homem como ser social. Para Heidegger, ao pensar assim, o marxismo tornou-se o pensamento que corresponde à situação de hoje, onde efetivamente reina a auto produção do homem e da sociedade. Ou, uma relação de produção e consumo, cujo imperativo é o progresso.
Admitindo que o homem é o produtor de tudo isso. A questão que se coloca é como pode o próprio homem sair da dominação desse imperativo do progresso que exige um imperativo de produção que se acopla com um imperativo de necessidades sempre novas e que impede a sobrevivência de qualquer tradição?
Heidegger reune esta situação na palavra Gestell. Ge-stell é a reunião, o conjunto de todos os modos de posição que se impõem ao ser humano na medida em que este existe hoje. Desta maneira, das Ge-stell de modo algum é o produto de uma maquinação humana; ao contrario, é o modo extremo da história da metafísica, isto é, o destino do ser. No interior deste destino, o homem passou da época da objetividade para a época da disponibilidade: nesta época, nossa futura época, tudo está constantemente a disposição, mediante o cálculo de uma imposição. Rigorosamente falando, já não há objetos; somente "bens de consumo" a disposição de cada consumidor, o que se situa, por sua vez, no mercado da produção-consumo.
Compreendendo o sujeito como função, seria o sujeito a origem do homem e da sociedade? Não. Como então o homem pode renunciar ao progresso. Ficando em casa? Ora, mas existe hoje algo como um "em casa", uma habitacão, uma morada? Não, só existe máquinas para habitar, concentracões urbanas, resumidamente: um produto industrial, mas não há mais um "em casa". Então, e aí, o que fazer.
Dessa forma as idéias de Heidegger não são místicas, mas pura crítica social. Pois, se se opõe à determinacão filosófica do homem como consciência à tentativa que se esforça em pensar o sujeito como função, resulta claro que o abandono do primado da consciência em favor de um novo dominio — o do entendimento de que o sujeito é uma função— corresponde que há, para o homem, só uma única possibilidade de se relacionar com este novo domínio: o de entrar nele, alojar-se nele, com o fim de manter aí uma relação com aquilo que não é o homem, mas do qual o homem recebe a sua determinação. A entrada neste dominio não é provocada pelo pensamento. Isto seria, de fato, imaginar ainda o pensamento segundo o modelo da produção, assim como também acreditar que o pensamento ou a linguagem estabelecida é capaz de mudar o lugar do homem. E então como fica?
Então só é possível dizer que o pensamento começa a preparação das condições de entrada neste domínio: este que é o de nos esforçarmos por pensar o sujeito como função, como relação com o mundo. Em outras palavras, este pensamento antes de tudo prepara o homem para que corresponda a possibilidade de uma tal entrada. A participação efetiva no estágio atual da história da metafísica.
Não há mística nestas idéias como alguns querem ver. Nem essencialismo e nem instrução para o estabelecimento de algum regime totalitário.
Luiz Henrique Eiterer
Comentários
Os amantes da filosofia devem ter o espírito aberto para entender, porque os "parti pris" envenenam sempre as leituras.
Ao estudar nos últimos meses Heidegger pareceu-me que ele fazia um alerta para a situação alienada do homem na sua relação de utilizador e de sujeito produtivo. Porque é que um homem que denuncia isto se alia aos nazis isso é mais difícil de explicar.
será que a nossa imagem do que foram os "nazis" está correta? talvez isto responda a pergunta.