Teoria, História e Historicismo


Na parte III do livro de Ludwig Von Mises, Teoria e História (1957), no capítulo 10, intitulada problemas epistemológicos da história, o autor apresenta uma discussão sobre o historicismo.

Diz o texto que o historicismo começou no final do século XVIII como um movimento conservador, anti-revolucionário, mas logo se aliou ao movimento revolucionário de orientação socialista e aos movimentos nacionalistas radicais. Apesar da importância política desses movimentos, o historicismo não os constituem , mas apenas é um elemento acessório a eles. De modo que, não podemos dizer que todos que valorizam antigos costumes e instituições são historicistas. O historicismo é uma doutrina epistemológica e assim deve ser encarado.

A tese fundamental do historicismo é a proposição que, para além das ciências naturais, matemática e lógica, não há conhecimento, mas apenas o que foi fomentado pela história. Isto quer dizer que para o historicismo não há nenhuma regularidade na esfera da ação humana.

Se não há uma busca por uma regularidade, o historiador acaba negando esta possibilidade e passa apenas a se preocupar com o método histórico, considerado o único meio para se lidar com as ações humanas. Depois que Dilthey mostrou a interferência da subjetividade do historiador no fazer da história, os historicistas deixaram de insistir na importância da descrição do método histórico.

A maioria dos historicistas não se preocuparam em propor uma explicação epistemológica dos seus procedimentos. Apenas alguns tentaram justificar seu método. Podemos chamar sua doutrina de periodalismo e os seus adeptos de periodalistas. Os periodalistas acreditavam que todos os períodos da história tem suas próprias leis diferentes das de outros períodos da história. Ludwig Von Mises considera contraditório a idéia dos periodalistas de partirem do princípio de que as leis que regem as ações humanas são fatos históricos e, por conseguinte, se alteram no fluxo de acontecimentos históricos, e ao mesmo tempo afirmarem que existem períodos em que não há nenhuma mudança, ou seja, os períodos em que não há história. E que entre esses dois períodos de descanso, há um período de transição.
Além disso, se uma parte do princípio de que as leis da economia cada vez são fatos históricos e, por conseguinte, se altera no fluxo de acontecimentos históricos, é manifestamente contraditório afirmar que existem períodos em que não há nenhuma mudança, ou seja, os períodos em que não há história. E que entre esses dois períodos de descanso, há um período de transição (MISES, 2002, p. 202).
O mesmo engano também é implícito no uso do conceito de presente por alguns cientistas. Estudos sobre a história de determinada ação humana do passado recente são classificadas como condições presentes. Se nos referimos a um determinado período de tempo como o presente, isso significa que, no que se refere a um número especial de condições, elas não mudaram durante todo este período. Além disso, nunca é certo quanto tempo vai durar a ausência de mudança. Neste caso, o que um homem pode dizer sobre o futuro é sempre meramente uma especulação. Lidar com algumas condições de um passado recente, sob o título "condições presentes" é um erro. O máximo que se pode dizer é: essas condições existiam ontem; esperamos que elas continuem inalteradas durante algum tempo. É preciso admitir que tudo muda a qualquer hora. É preciso reconhecer a história.

Não basta lembrar das condições de um passado que permitia a vigência de uma determinada lei. História é uma seqüência de alterações. Cada situação histórica tem a sua individualidade, as suas características próprias que a distingui de qualquer outra situação. O fluxo da história nunca volta a um ponto anteriormente ocupado. A história não se repete. A história serve para mostrar que determinadas condições mudam e que determinada lei não vale mais. De modo que, história tem como objetivo desnaturalizar ou deslegitimar as memórias, servindo para mostrar que não bastam as lembranças, nem mesmo a constatação de uma continuidade por um determinado tempo, mas é preciso perceber as mudanças.

De modo que podemos dizer que a teoria tenta sempre mostrar uma regularidade independente do tempo. E isso é sempre possível. Porém, sem história a teoria se torna uma doutrina exclusiva e completa e a lei se torna ordem absoluta. Não dá para não perceber que essa é uma teoria que acredita poder sobreviver ao tempo: uma teoria sobre a relação entre História e Teoria.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Italiano acusado de abusar da filha em Fortaleza já deixou o Brasil

Psicanálise, Foucault e a Questão da Cientificidade

Disciplinarização vs. Cuidado de Si: Uma Jornada Foucaultiana Rumo à Liberdade