Acordar a consciência

Acordar a consciência

Danilo Pretti Di Giorgi*

“Uma Verdade Inconveniente”, documentário estrelado por Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, é um filme imperdível. Quem se preocupa de coração com a questão ambiental e compreende o tamanho da encrenca em que estamos metidos por conta do efeito estufa não pode deixar de assisti-lo e de convencer quem ainda não entendeu a seriedade da questão a fazer o mesmo.

Enquanto escrevo este artigo (quinta-feira, 14/12/2006), o filme ainda está em cartaz em São Paulo. Provavelmente, quando você estiver neste ponto do texto, não mais estará. Mas não desista, vá atrás do DVD; exija que sua locadora compre o título. Se minha previsão confirmar-se, o documentário terá sobrevivido em cartaz nos cinemas da cidade por heróicas seis semanas, embora durante 21 dias capengando em apenas uma sala (e, nesta última semana, em apenas um horário, bem no meio da tarde). Enfim, foi tudo menos um sucesso de público, o que é uma pena.

O filme traz muitos estudos e pesquisas, apresentados de forma inteligente e criativa, que têm como objetivo final dizer o que tentamos transmitir nesta coluna: que se não mudarmos nossa forma de relação com o planeta, a vida se tornará cada vez pior para os seres humanos ou, pior, a Natureza vai cuidar de nos eliminar do jogo da vida.

Eu gostei. Fala o que precisa ser dito, de maneira convincente e direta, com recursos interessantes – como desenhos animados, boa trilha sonora, piadinhas bem-colocadas e belas cenas da Natureza – que tornam o filme-palestra mais agradável e inteligível do que as palestras normalmente são. Pois é disso que a produção se trata: uma palestra que Gore, após perder aquela histórica eleição para George W. Bush, resolveu voltar a proferir pelo seu país – e, mais tarde, pelo mundo afora – sobre o aquecimento global, seu efeito sobre as nossas vidas e as atitudes que devemos tomar para reverter a situação.

Apesar da pouca atenção dada ao filme pelo público brasileiro, não se pode negar a importância e a força de um homem como Al Gore para fazer cabeças ao redor do mundo. É muito gratificante contar com um aliado com este poder de penetração. Mesmo que poucas pessoas assistam ao filme, sua ação ganha um efeito multiplicador, não apenas pela figura pública que Gore representa (afinal ele recebeu quase 60 milhões de votos dos americanos em 2000), mas também pela paixão com que o político se entrega ao tema.

Gore sempre foi ligado à questão ambiental, motivo pelo qual tem apanhado muito de outros políticos dos EUA. Chamado de irresponsável e louco por figuras como Bush-pai – no documentário há um trecho tragicômico de um discurso irado do ex-presidente no Congresso americano atacando Gore –, sempre manteve sua postura de alertar o povo da nação mais consumista do planeta para as conseqüências nefastas da manutenção do seu modo de vida.

Uma diferença básica entre as minhas idéias e as do documentário – e um ponto que me incomodou durante o filme é que Gore amacia quando fala sobre o tamanho do esforço necessário para a mudança que precisa acontecer.

Ele dá a entender que pequenas mudanças, não muito difíceis de serem realizadas, serão o bastante para revertermos o quadro atual. Segundo a sua mensagem, se nós humanos conseguimos realizar maravilhas como chegar à Lua, decifrar nosso genoma etc., por que não podemos mudar nossa forma de conduta de maneira a inverter o processo de aquecimento?

Não concordo com essa comparação. Considero que essa mudança envolve muito mais que um esforço para ultrapassar uma barreira tecnológica ou científica. Envolve mudanças profundas em hábitos fortemente arraigados. E todos sabemos o quanto é complicado mudar hábitos.

Eu imagino que essa forma cor-de-rosa de colocar as coisas pode ser uma técnica de sedução, uma estratégia política. Ele pode ter pensado que, se apresentasse toda a verdade de supetão, o efeito poderia ser a rejeição imediata do público, anulando todo seu esforço prévio. Mas acho que não há outra saída: é necessário ficar claro para todos a dureza da batalha que precisa ser travada.

Trabalhar com a expectativa das pessoas é muito delicado. Há pessoas que preferem ser pessimistas no momento de definir prazos para a entrega de um trabalho, por exemplo. Se conseguem entregar antes, muito bem, o cliente fica mais satisfeito, sente que saiu ganhando. Se algo der errado e a entrega acontecer no prazo pessimisticamente definido, aquilo que significou atraso para quem fez o trabalho vai significar cumprimento de prazo para o cliente, que fica satisfeito com a pontualidade (apesar de que, no seu íntimo, o responsável pela entrega saber que demorou mais do que previa). Ao contrário, quando você pretende agradar ao cliente e dá um prazo apertado, corre o risco de não cumpri-lo e desagradar ainda mais.

Neste caso, acontece o mesmo: devemos ter bem claro em nossas consciências o quanto precisaremos abrir mão para evitar o desastre anunciado e para que seja possível a quase utópica união da humanidade em nome da reversão deste quadro de terror. Precisamos aceitar no fundo do coração a dureza real da situação, ou vai ser difícil mantermos o pique e a firmeza durante o processo.

Ou, então, nos resta esperar pela barbárie que dominará todo o planeta quando, a partir do já acelerado derretimento das geleiras, o mar começar a subir cada vez mais rápido e invadir todas as cidades à beira-mar, produzindo centenas de milhões de desabrigados em todo o mundo, um tsunami de gente subindo para as partes mais altas da Terra em busca de comida e água.

* Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista.

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/ed530/ambcid.htm

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